Conteúdos de violência e sexo inseridos em desenhos, o 'Elsagate', preocupam pais e profissionais
Rio - Alerta vermelho para os pais que deixam filhos pequenos assistirem a desenhos e vídeos no YouTube: criadores mal-intencionados estão disseminando vídeos supostamente infantis, mas que escondem conteúdos explicitamente violentos e sexuais, incluindo cenas com agulhas, insetos, abuso, espancamento, aborto, escatologia e outros temas inapropriados para crianças. O fenômeno foi batizado por internautas de ‘Elsagate’ — em alusão à famosa personagem Elsa, da animação Frozen, da Disney; e ao escândalo político Watergate.Alguns vídeos são animações que imitam personagens infantis icônicos, como super-heróis, princesas e outras criaturas. Outros são filmagens ‘live action’, ou seja, atores — adultos e crianças — fantasiados como os personagens. Os vídeos estão no YouTube sem censura e são marcados por palavras-chaves infantis.
Dessa forma, uma criança que entra para assistir
um desenho normal pode acabar sendo levada a estes vídeos através da
reprodução automática do site, que procura vídeos relacionados através
das palavras-chave. Como o conteúdo vem disfarçado de infantil, os
responsáveis pela criança podem não perceber o que está acontecendo logo
de cara.
A estudante Jessica Luiza, 21 anos, se assustou ao
ver uma postagem alertando sobre o perigo, e reconheceu um dos vídeos —
seu irmão de 3 anos vinha assistindo esses conteúdos. “Ele vai para o
YouTube toda noite quando chega da escola. Volta e meia canta as músicas
e pede para ver esses vídeos bizarros. Ele já chegou a tentar imitar,
querer bater, assim como viu nos vídeos. E nossa mãe nunca havia
percebido”, relatou.
A também estudante Nathalia Reis, 19 anos, soube
do ‘Elsagate’ em um grupo do Facebook e fez uma postagem de alerta em
seu próprio perfil, alcançando milhares de curtidas, compartilhamentos e
comentários. E se assustou porque, segundo ela, seu cunhado de 4 anos
de idade também passa o dia assistindo vídeos: “Sempre fiquei
incomodada. Tento levar ele para o ar livre, parques, mas ele tem medo
de tudo. Pedi que a mãe dele ficasse de olho”.
Ela também se impressionou com a repercussão da
postagem: “Mães comentaram que os filhos assistiam esses vídeos e até
choravam. Algumas se assustavam porque os filhos sabiam de onde vêm os
bebês sem que elas nunca tivessem ensinado sobre isso. Crianças com
medos e fobias. Foram vários relatos”, conta.
Especialistas veem ligação com redes de pedofilia
Até
mesmo especialistas estão recebendo as informações com surpresa.
Segundo Elaine Vidal, que é coordenadora de graduação em Comunicação do
Ibmec e leciona Criação e Produção para Mídias Digitais na UFRJ, ao
plagiar personagens patenteados, os vídeos violam direitos autorais e
deveriam ser tirados do ar. “Outros vídeos, por muito menos, são bloqueados pelo Youtube”, diz. Outro aspecto alarmante é que os vídeos não são monetizados — ou seja, as visualizações não geram receita para o autor —, e são muito bem produzidos, o que costuma custar caro. “Certamente é um objetivo assustador, se não é dinheiro. É bem provável que haja relação com redes online de pedofilia”, afirma Elaine.
Márcio Gonçalves, professor do Ibmec e especialista em mídias digitais, concorda: “São produtores de conteúdo que não têm interesse em ganhar dinheiro. O objetivo é transmitir mensagem a quem assiste”.
Ele lembra que o público não é só o infantil: “Os
comentários provavelmente são escritos por adultos. A questão dos
pedófilos é forte, uma comunidade que se protegem. Fica explícito que há
relação com as redes de produção de conteúdo pedófilo e pornográfico”.
Pais devem acompanhar
Para
o professor Márcio Gonçalves, o mais importante é o monitoramento dos
pais: “Essa infância conectada está tendo fácil acesso a conteúdos
impróprios, que vão moldar sua personalidade”, avalia.
A
psicológa Laura Calejon, doutora em Psicologia Escolar e
Desenvolvimento Humano, alerta para o perigo do uso da internet sem
supervisão. “Há casos de crianças com graves problemas no
desenvolvimento da linguagem, que chegam a ser confundidas com autistas,
porque usaram tablet e celular demais e desde muito cedo”, afirma.
Sobre
os vídeos Elsagate, especificamente, o perigo é ainda maior, segundo os
especialistas no assunto. “Há imagens muito conflitantes,
contraditórias. Sem dúvida os estímulos têm efeitos subliminares. E
quanto menos compreensíveis forem, mais fortes são os impactos”,
analisa.
Já sobre os objetivos dos produtores dos
vídeos, ela concorda com os demais especialistas: “É possível que uma
rede de pedófilos se valha disso, não é uma hipótese descabida”,
acrescenta.
O principal, segundo a psicóloga, é que
os pais acompanhem seus filhos com cuidado. “O audiovisual é importante
no desenvolvimento da criança, mas é necessária a presença de um adulto
que compartilhe com ela, vá ajudando, explicando o que ela pode não
entender. Não dá para substituir a presença de um adulto por
tecnologia”. Pais devem estar atentos ao conteúdo assistido pelos filhos
sempre.